Certa vez, minha irmã foi confrontada pelo Gabriel por uma difícil pergunta: “mamãe, o que é morrer?”. Iniciou-se então um longo e completo arrazoado: horas de discurso, apresentando, sem paixão, as inúmeras interpretações do tema, que os humanos criaram ao longo de sua ignorante trajetória existencial: “alguns acham que acaba, outros que tem vida depois da morte, outros ainda que voltamos, vagamos, sumimos, viramos anjinhos, ectoplasmas, nuvem, sonho, comichão, flor, sapo, tigre, de verdade ou de pelúcia” e por aí foi.
Ao cabo da fastidiosa homilia, o menino, tenso mas aliviado, segurou a mão da iluminada progenitora e disse: “Mamãe, não fique assim. Não se preocupe com isso agora. Depois a gente resolve a morte, tá?”
Deu uma coceira no pai. Daquelas de fazer alguma coisa diferente num fim de semana exclusivo com a filha, algo que não seja festinha de pipoca, uga-uga no zoológico ou um de-novo com alguma princesa plastificada.
Excitado: “Vamos ver uma corrida de cavalos, vamos?”
Conformada: “Se você quiser, papai.”
A coceira mudou de tom ao chegar na arena: apostas aqui.
Brincalhão: “Vamos apostar, filha?”
Preocupada: “Vamos, ué”.
Mas o valoroso pai preocupou-se com o noticiário marrom: “Pai tarado inicia filha pequena com cavalo”.
Disfarçado: “Que tal brincar de apostar no cavalo com o nome mais engraçado, filha?”
Pragmática: “Tudo bem papai, mas a gente também podia apostar um pouco no cavalo mais rápido, não?”.
Quantas vezes a gente não pira numas explicações metafísicas, embarca nas histórias, se envolve, se emociona, entra em embates retóricos, discussões surrealistas ou literárias, referencia-se artificialmente para justificar partidos e caminhos? Quantas vezes a gente não esquece o básico: “a nossa opinião, pessoal, não tem a menor importância”?
Quantas vezes esquecemos que nossos interlocutores são seres pensantes e tão pragmáticos quanto crianças?
- Papai, pare um minuto de pensar em você, por favor!
por Fernand Alphen's - http://www.alphen.com.br/
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